O recente aumento do preço do café, que superou a marca de US$ 4 por libra-peso (aproximadamente 450g) em Nova York, representa uma situação paradoxal no mercado: enquanto os produtores de café celebram essa valorização, os torrefadores, importadores e cafeterias enfrentam um cenário desafiador, marcado por custos crescentes e a necessidade de decidir se repassam esses aumentos aos consumidores. Este dilema é intensificado por incertezas persistentes sobre a oferta global de café, especialmente em relação à seca severa que afeta o Brasil, o maior produtor de café arábica do mundo. Carlos Mera, chefe de mercados de commodities agrícolas do Rabobank, expressou sua preocupação ao afirmar que “a próxima safra de arábica no Brasil (2025/2026) será uma safra bem abaixo do potencial”, o que indica que esta será a quinta safra consecutiva de arábica a decepcionar.
A análise do mercado revela que o café arábica se destaca como a commodity de melhor desempenho em 2023, com um aumento superior a 31% no ano e um impressionante 120% em relação ao ano anterior, conforme um relatório do Citi. Este documento, divulgado em 11 de fevereiro, revisou suas previsões de preço para o café arábica, estabelecendo um valor de US$ 3,60/libra-peso em três meses e US$ 3,30/libra-peso em doze meses, ambos abaixo dos futuros. A análise sugere que “é provável que os preços do café tenham atingido seu pico”, à medida que a demanda começa a diminuir e a oferta se reabastece.
Embora o aumento dos preços do café traga benefícios financeiros para países produtores como Brasil e Colômbia, a situação não é totalmente positiva. Os exportadores enfrentam uma crescente necessidade de liquidez para adquirir café para seus clientes, o que implica um custo mais elevado para o financiamento das operações. Germán Bahamón, presidente da Federação Nacional dos Cafeicultores da Colômbia (FNC), destacou que, do ponto de vista dos torrefadores, aumentar os preços para o consumidor final é um desafio, especialmente em um contexto onde os produtos já estão sendo vendidos a preços elevados.
Na Colômbia, a FNC garante a compra do café dos produtores através de uma garantia de compra, que estabelece um preço de referência diário com base no fechamento do café na Bolsa de Valores de Nova York, na taxa de câmbio e no diferencial específico do café colombiano. No entanto, a Federação enfrenta um dilema com cooperativas que não cumpriram as entregas acordadas antes do aumento dos preços, resultado de compromissos assumidos no final de 2019, quando algumas cooperativas pré-venderam café a preços inferiores aos atuais. Isso levou os cafeicultores a priorizarem vendas no mercado livre, onde poderiam obter melhores preços, deixando as cooperativas incapazes de honrar seus contratos.
Até janeiro, o volume de café não entregue alcançou 32 milhões de quilos, representando 3,4% da produção anual, afetando menos de 1% dos cafeicultores. Para mitigar essa situação, a FNC lançou o Plano de Ação Solidária, que não requer apoio financeiro do governo. Essa estratégia prevê que o Fundo Nacional do Café venda o café não entregue às cooperativas, permitindo que elas cumpram seus compromissos. A Federação também oferecerá mecanismos adicionais, como a extensão do programa Coseche y Cumpla, que visa ajudar as cooperativas a honrar suas entregas, além de fornecer créditos de longo prazo.
Bahamón enfatizou a importância de um “setor solidário saudável e eficiente” para a cafeicultura, afirmando que a construção desse ecossistema é crucial para a garantia de compra. A Federação comunicou que essa medida liberará liquidez para atender à necessidade de recursos na garantia de compra, uma vez que os atrasos nas entregas têm gerado pressões financeiras. As reuniões com as cooperativas já começaram, e a Federação anunciou que 68% dos compromissos de entrega de café futuro já foram quitados.
Este cenário ocorre em um momento de expansão do setor cafeeiro colombiano, que contribuiu com 47% do crescimento da economia nacional no final do ano passado, segundo dados da Dane, a agência oficial de estatísticas. Bahamón observou que as famílias produtoras de café desempenharam um papel significativo nesse crescimento econômico.
O aumento dos preços do café também se tornou um tema recorrente entre as empresas do setor. Luis Fernando Vélez, fundador da rede de café colombiana Amor Perfecto, destacou que “beber um bom café envolve muito esforço na fazenda e em seus processos, e é hora de o consumidor reconhecer seu verdadeiro valor”. Ele reconheceu que aumentar os preços para os clientes é uma tarefa difícil, mas inevitável, que impacta toda a cadeia. Apesar de um preço elevado de 60.000 pesos colombianos por 500g (US$ 14,20) ainda ser considerado baixo em comparação com os preços de varejo nas cafeterias, a negociação para ajustar os preços é complexa, pois “ninguém quer que sua matéria-prima dobre de preço em um ano”.
Cada torrefador enfrenta essa situação de maneira distinta: enquanto alguns podem optar por não aumentar os preços e comprometer a qualidade, outros, como a Amor Perfecto, preferem ajustar os valores até onde o cliente permitir, sem sacrificar a excelência. Embora os cafés especiais custem mais, isso pode garantir uma cadeia de valor mais equilibrada e uma renda melhor para os produtores, que são fundamentais para a qualidade de cada xícara.
Executivos de grandes empresas do setor, como Nestlé e Starbucks, reconheceram os desafios que o aumento dos preços do café representa para suas margens e estratégias comerciais. Laurent Freixe, CEO da Nestlé, mencionou que o aumento dos custos do café e do cacau levou a empresa a implementar ajustes em sua estrutura de preços. Ele destacou que a Nestlé possui uma vantagem competitiva por vender principalmente café em cápsulas, solúvel e pronto para beber, o que reduz a incidência de preços dos grãos verdes em comparação com os produtores de café torrado e moído.
Na Starbucks, a vice-presidente financeira Rachel Ruggeri alertou que os aumentos de preços “para um consumidor já pressionado” provavelmente afetarão os volumes da empresa, impactando as receitas e a lucratividade. Praveen Jaipuriar, CEO da CCL Products India, observou que, embora a empresa tenha conseguido manter o crescimento da receita, os preços do café continuam voláteis e em ascensão, com aumentos de preços de 30% a 40% nos pacotes maiores nos últimos 18 meses.
Na Europa, Luc Vandevelde, CEO interino da JDE Peet’s, destacou que a empresa opera em um ambiente desafiador devido ao aumento dos preços do café verde e à crescente demanda por produtos mais acessíveis. Ele previu que o aumento dos preços do café verde nos últimos trimestres impactará o balanço de lucros e prejuízos da empresa, exigindo aumentos adicionais de preços e uma rigorosa disciplina de custos.
Além disso, o aumento dos preços do café também traz desafios na gestão do capital de giro para aqueles que compram e vendem café, tanto no mercado local quanto no exterior. Laura Clavijo, diretora de Pesquisa Econômica do Bancolombia, ressaltou que a necessidade de financiamento das compras de café em pergaminho e dos estoques de café debulhado se intensifica, especialmente se os clientes no exterior solicitarem prazos de pagamento mais longos.
Embora países como a Colômbia tenham a oportunidade de aproveitar o momento favorável da cafeicultura, isso requer um esforço significativo em termos de estratégia de marketing e gestão financeira para garantir resultados sustentáveis ao longo do tempo. Os desafios enfrentados pela Colômbia devido às flutuações dos preços no mercado internacional são compartilhados por outros países produtores, como Honduras, que também experimentam máximas históricas nos preços do café.
Néstor Meneses, gerente técnico assistente do Instituto Hondurenho do Café (Ihcafé), observou que o preço do café no mercado, dependendo da área, estava sendo negociado entre US$ 280 e US$ 320 por quintal oro antes de ultrapassar US$ 400. Ele também mencionou que a colheita atrasou mais de um mês, o que gerou problemas para os compradores, que enfrentam restrições de liquidez.
Andrea Illy, presidente da torrefadora italiana Illycaffè, alertou que o aumento dos preços pode resultar em aumentos significativos nos custos do café para os consumidores nos próximos meses, afetando a demanda nos principais mercados. Ele indicou que o aumento acentuado já começou a impactar a demanda nos mercados desenvolvidos e está desacelerando o crescimento do consumo nas economias emergentes, que até recentemente apresentavam um boom na adoção do café.
Em resumo, o aumento dos preços do café, embora traga benefícios diretos para os produtores, gera uma série de desafios para toda a cadeia produtiva, desde os torrefadores até os consumidores finais. A necessidade de um equilíbrio entre a valorização do produto e a acessibilidade para os consumidores é um tema central que requer atenção e estratégias eficazes para garantir a sustentabilidade do setor cafeeiro em um cenário de volatilidade e incertezas.
Fonte: Bloomberg Línea