O calor intenso nas principais regiões produtoras de café do Brasil deve afetar a safra 2024/25, e alguns produtores já dão como certo que a colheita deve ser inferior à da atual temporada. Em Minas Gerais, maior produtor de café arábica do país, floradas aconteceram antecipadamente e agora falta uniformidade nos cafeeiros: há, ao mesmo tempo, grão verde, seco, cereja em um mesmo pé de café.
“Estamos vivendo algo que nunca passamos na vida. Há fumaça de calor sobre Monte Carmelo (MG) e índices de chuva muito baixos. A planta de café não aguenta mais de 30 graus, fica sem fazer fotossíntese e deixa de reagir, como no caso de algumas regiões de Minas Gerais”, relatou ontem à reportagem Sérgio de Assis, que produz café no Cerrado Mineiro.
Nos corredores do 29ª edição do Encontro Nacional do Café, organizado pela Associação Brasileira de Indústrias de Café (Abic), Assis, que preside a Cooperativa dos Cafeicultores do Cerrado Monte Carmelo (Monteccer) previu uma redução no volume a ser colhido e uma queda de qualidade do café devido aos mais de 40 graus registrados nos últimos dez dias na região mineira.
As preocupações decorrentes do clima adverso nas regiões produtoras de café, reflexo do fenômeno El Niño, têm influenciado o movimento dos investidores na bolsa de Nova York e provocado volatilidade nas cotações. Ontem, os contratos para março de 2024 caíram 2,26%, para US$ 1,7120 por libra-peso. Na véspera, tinham subido 2,19% justamente devido às preocupações com o clima adverso.
A alta do café, porém, não tem animado os produtores, que agora têm como preocupação prioritária o desenvolvimento vegetativo da planta. Segundo Assis, os cafeicultores mineiros estão na terceira florada, momento que, em teoria, indica o final do ciclo antes de o grão brotar. Mas, com a seca, o ‘pegamento’ do café pode não acontecer, bagunçando as etapas de colheita e pós-colheita.
“Com a onda de calor, a planta de café pode viver a escaldadura, isto é, o amarelamento da folha, fazendo com que caia e deixe a estrutura do cafezal sem possibilidade de fotossíntese, o que pode afetar a quantidade de grãos”, afirmou o produtor.
Mesmo no caso dos cafezais com irrigação, o cenário é conturbado. Segundo Assis, a tecnologia não dá conta de fornecer água a ponto de a planta reagir às altas temperaturas.
“Hoje, falar em super-safra no Brasil é uma irresponsabilidade”, disse.
Os problemas climáticos também impactam a produção de café conilon. Fabíola Colombi, que tem cultivo em São Gabriel da Palha (ES), disse estar preocupada com a colheita da próxima safra, a 2024/25. Diferentemente do que aconteceu no Cerrado Mineiro, no Espírito Santo, a floração ocorreu dentro do calendário previsto, porém o calorão coloca em xeque “o peso e a qualidade do grão cultivado”.
Apesar das incertezas que rondam a nova safra, a indústria de café prevê uma estabilidade do mercado no próximo ano, e avalia que não faltará grão para torrefação. A razão é que o ciclo 2024/25 será de bienalidade positiva, o que permitiria uma ‘compensação’. É o que acredita o diretor de marketing da Melitta, Jonatas Rocha.
“Em geral, no Brasil, o cenário do ano que vem é mais estável em volume de produção, justamente porque é um ano de bienalidade alta, o que ajudaria o volume a ficar em uma tendência positiva de produção de café. A expectativa é de safra igual ou pouco maior do que colhido este ano”, disse Rocha, também no Encafé.
Para o presidente da Abic, Pavel Cardoso, a safra que vem tende a ser 2% a 5% maior que as 66 milhões de sacas de café colhidas na temporada atual, número com o qual o mercado privado trabalha. Mas as consequências do El Niño, ele admitiu, devem influenciar as colheitas dos próximos três ciclos.
A previsão de chuva para o próximo fim de semana nas regiões de produção, porém, devem dar um ânimo aos cafeicultores, segundo Pavel.
Mas o El Niño deve seguir no foco dos produtores no curto prazo, afirmou Guilherme Morya, analista do Rabobank, em painel no Encafé. Segundo ele, a alta do preços do grão no mercado internacional este mês está relacionada ao clima, mas também há um movimento de recuperação das cotações, após recuos no primeiro semestre.
“Com a colheita do Brasil dos últimos meses, a oferta global cresceu, segurando as estimativas positivas do ciclo 2023/24. Além disso, nota-se uma recuperação nas exportações de café arábica por parte de Honduras e Colômbia, nos últimos meses, o que contribui para melhor performance desse tipo de café”, disse.
O Rabobank projeta crescimento de 15,4% na produção de café arábica na safra 2023/24, que sai dos 37 milhões de sacas de quilos produzidas na atual temporada para 42,7 milhões. Já para o robusta, o aumento previsto é tímido, de 0,9%, de 20,7 milhões de sacas para 23,3 milhões. Ambas mantêm o mesmo patamar de colheita do ciclo 2022/23, na casa dos 66 milhões.
Na visão do especialista de café do Rabobank, as cotações do arábica não deverão atingir patamares de US$ 2,30 a libra-peso, como no passado, e devem ficar numa faixa entre US$ 1,50 e US$ 1,70 libra-peso no próximo ano.
Segundo ele, projeções mais assertivas sobre os preços poderão ser feitas a partir de janeiro de 2024, quando o mercado de café terá mais clareza sobre as consequências das altas temperaturas.
Morya elencou outro fator que tem gerado volatilidade nos preços internacionais do café. Nos últimos dois meses, segundo ele, houve atrasos no escoamento do grão pelo Porto de Santos, que responde por 80% dos embarques do café brasileiro
Fonte: Globo Rural (Por: Isadora Camargo)